[relido na Pausa, na Zmab...; abre a segunda Estação de 1819..]
o extraordinário
mundo introspectivo das plantas
morrem mudamente
estão doentes e não gritam
zangam-se umas com as outras
e connosco
e não esbracejam
e renascem em pouco tempo
se lhes dermos um pouco da nossa
pequena
mortal terra mortal
cobrem os crimes humanos
esquecidos na floresta do nosso
esquecimento
precisam de água como nós
em certas estações do ano e em certos
climas
embriagam-se afectivamente e descaem
nos nossos ombros
acompanham a música e o silêncio
caem soçobram
levantam-se
tudo isto sem saírem do mesmo sítio
as plantas podem viver dentro das
nossas unhas
detrás dos nossos olhos
levam tiros frágeis
disparados pelos nossos
neuróticos impulsos
compassados como a valsa
de mil tempos
as plantas respiram para dentro de
nós
usam itálicos como confetis
inventam inimigos
prosseguem
sou a pessoa que contempla as plantas
e não gosta de animais
os tais animais muito, muito lentos
que são as plantas
Rosa
Oliveira, Colóquio-Letras, n.º 198,
Maio/Agosto 2018, p. 180
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The blind botanist, Ben Shahn |
[versão em errático, 2020 (Agosto), pp. 44, 45]:
o extraordinário mundo introspectivo das plantas
morrem mudamente
estão doentes
não gritam
zangam-se umas com as outras
e connosco
e não esbracejam
e renascem
se lhes dermos um pouco da nossa pequena
mortal terra mortal
cobrem os crimes humanos
esquecidos na floresta do nosso esquecimento
em certas estações do ano e em certos climas
embriagam-se afectivamente e descaem
nos nossos ombros
acompanham a música e o silêncio
caem soçobram levantam-se
sem saírem do mesmo sítio
as plantas crescem debaixo das unhas
detrás dos olhos
levam tiros frágeis
disparados pelos nossos
neuróticos impulsos
compassados como a valsa
de mil tempos
as plantas respiram para dentro de nós
usam itálicos como confetti
inventam inimigos
prosseguem
sou a pessoa que contempla as plantas
e não gosta de animais
os animais muito, muito lentos
que são as plantas
Rosa Oliveira, errático, 2020 (Agosto), pp. 44-45