[não há ler; só há reler - manhã de preparação de Envelopes - releitura atenta (mais Uma) leva à «paragem sobre» o excerto abaixo transcrito]
[sublinhados acrescentados]
[…]lembrem-se de que toda esta nossa obra terá de
ser feita em absoluto segredo, não o
podem saber nem parente nem amigo, [...] perante el-rei o responsável sou eu, padre Bartolomeu Lourenço de Gusmão, De quê, perguntaram Blimunda
e Baltasar ao mesmo tempo, De Gusmão,
foi assim que passei a chamar-me, por via do apelido de um padre que no Brasil me educou, Bartolomeu Lourenço
era quanto bastava, disse Blimunda, não me vou habituar a dizer Gusmão, Nem precisarás, para ti e Baltasar serei sempre o
mesmo Bartolomeu Lourenço, mas a corte e as academias terão de chamar-me Bartolomeu Lourenço de Gusmão, pois
quem, como eu, vai ser doutor em cânones
precisa ter um nome que lhe assente à
dignidade, Adão não teve outro nome, disse Baltasar, E Deus não tem nenhum, respondeu o padre, mas Deus, em verdade, não é
nomeável, e no paraíso não havia outro
homem de quem Adão houvesse de distinguir-se, E Eva não foi mais que Eva, disse Blimunda, Eva continua a não ser mais que Eva, estou que a mulher é uma só no mundo, só múltipla de
aparência, por isso se escusariam outros
nomes, e tu és Blimunda, diz-me se
precisas de Jesus, Sou cristã, Quem o duvida, perguntou o padre
Bartolomeu Lourenço, e rematou, Bem me entendes; mas dizer-se alguém de Jesus, crença ou nome,
não é mais que vento da boca para fora,
deixa-te ser Blimunda, não darás outra resposta quando
fores perguntada.[...]
José Saramago, Memorial do Convento, 51.ª ed., Caminho, pp. 196-197