domingo, 23 de fevereiro de 2014

«Em nome do Nome» - Memorial do Convento

[não há ler; só há reler - manhã de preparação de Envelopes - releitura atenta (mais Uma) leva à «paragem sobre» o excerto abaixo transcrito]
[sublinhados acrescentados]

[…]lembrem-se de que toda esta nossa obra terá de ser feita em absoluto segredo, não o podem saber nem parente nem amigo, [...] perante el-rei o responsável sou eu, padre Bartolomeu Lourenço de Gusmão, De quê, perguntaram  Blimunda e Baltasar ao mesmo tempo, De Gusmão, foi assim que passei a chamar-me, por via do apelido de um padre que no Brasil me educou, Bartolomeu Lourenço era quanto bastava, disse Blimunda, não me vou habituar a dizer Gusmão, Nem precisarás, para ti e Baltasar serei sempre o mesmo Bartolomeu Lourenço, mas a corte e as academias terão de  chamar-me Bartolomeu Lourenço de Gusmão, pois quem, como eu, vai ser doutor em cânones precisa ter um nome que lhe assente à dignidade, Adão não teve outro nome, disse Baltasar, E Deus não tem nenhum,  respondeu o padre, mas Deus, em verdade, não é nomeável, e no paraíso não havia outro homem de quem Adão houvesse de distinguir-se, E Eva não foi mais que Eva, disse Blimunda, Eva continua a não ser mais que Eva, estou que a mulher é uma só no mundo, só múltipla de aparência, por isso se escusariam outros nomes, e tu és Blimunda, diz-me se precisas de Jesus, Sou cristã, Quem o duvida, perguntou o padre Bartolomeu  Lourenço, e rematou, Bem me entendes; mas dizer-se alguém de Jesus, crença ou nome, não é mais que vento da boca para fora, deixa-te ser  Blimunda, não darás outra resposta quando fores perguntada.[...]

José Saramago, Memorial do Convento, 51.ª ed., Caminho, pp. 196-197