quinta-feira, 21 de março de 2024

«Cura» [«a função principal da poesia«] ; (Parrado, Luís Filipe)

CURA 

A cada dia que passa torna-se cada vez mais evidente
que a função principal da poesia
é a de criar condições
para que nos possamos perder em definitivo
no coração das florestas.
Trata-se de um processo terapêutico.
No entanto, convém ter consciência de que
qualquer perdição, por discreta que seja,
só se revelará objectivamente eficaz
se os poemas circularem sem indicação de origem
e autoria, anonimamente, 
como medicamentos genéricos 
ou de marca branca. Se tal acontecer
(perdidos, clarividentes), os leitores não precisarão
de decorar nomes de poetas, apenas versos; ou poemas inteiros.

Luís Filipe Parrado, Museu da angústia natural, 2023, p. 23