domingo, 26 de abril de 2020

25 (Meu querido...), Inês Fonseca Santos

André Carrilho: 
- C. F. seleccionou um excelente curto poema de Ramos Rosa - publicado em 74 - para a Tela da «E. do Paraíso», ora «Convinado»
- F. «contribuiu, sem contribuir» com dois poemas de obras recentes (ambas de Fevereiro)
- do longo poema de I. Fonseca Santos, «Remessa Livre», as duas últimas (e mais curtas) estrofes (de cinco):

[...]
25 de Abril, aproxima-te, se tens dívidas.
É para te ver melhor.
Para te comer melhor seria, meu pobre subalimentado,
para te devorar seria,
não fosses tu ruína infecta,
eu mãe de filhos por criar.
Enfio-te assim, de lentidão dissimulada,
enfio-te assim os dedos nas rugas
como quem caminha de novo sobre o início.

 25 de Abril, ouve-me:
esse é o teu tesouro.
O teu início.
Acredita em mim; eu pouco mais desejo
senão cobrir-te de louros.
Pôr-te louramente em forma
de contar de novo.
Vê tu bem:
eu gostava de dar-te do O’Neill, do Sousa Braga.
Faz por merecer.
Assim não
soa possível aos meus ouvidos de tísica.
Dever meu seria, enfim, enviar-te beijos
(cumprimentos é coisa do teu tempo),
mas apenas me ocorre um apelo:
meu querido 25 de Abril,
vem-te de novo de pau feito, por favor,
e de épico tesão dá cabo disto.

Inês Fonseca Santos, Os grandes animais, 2020 (Fevereiro), Abysmo, pp. 73 -75 (Ilustrações de João Maio Pinto)