sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

«Azuis» - Rosa Maria Martelo

- C. - relembre-se, «Máscara quotidiana» de D. -  «declara-se dispensado» de «máscaras com data marcada...»
 - por isso, em Dia de «Tintas-Cheias» [...], escolhe a «Cor» - para Ele, o AZUL
- o «Azul», de R. M. Martelo:

1.

Não sei se o fio do horizonte separa ou junta dois azuis. Faz rimar azul com azul, mas é talvez falsa, essa rima. O finito e o infinito, e ao meio uma só linha a cerzir azul com azul. Céu e mar não rimam, e no entanto haverá rima mais perfeita? O mar, e depois dele o outro azul (que às vezes parece negro), assim por esta ordem. Ou é apenas falsa rima, a esconder, noite com noite, uma outra noite maior e mais dispersa? 

2.

Acima da luz da rua e do ladrar dos cães,
depois do dia, antes da noite, e durante muito pouco tempo,
o azul urbanizado concentra-se em mais azul. O céu fica mais alto
e mais fechado, artificial como um palco iluminado, e brilha
para depois escurecer. Sob este azul que não há na natureza
voltamos para casa, como em certos fins de tarde
muito antigos sob outro azul,
no campo, ligeiro e transparente. Mas é este, o nosso azul.
Reflectido a luz eléctrica, tem qualquer coisa de gordura, de petróleo,
é untuoso e pesa. E mesmo assim, aquece
como a gola levantada de um casaco de inverno.


Rosa Maria Martelo, «Azuis», Relâmpago, n.º 31, 32; transcrito das pp. 138, 139, de  Resumo - a poesia em 2013, 2014, Fnac, Documenta